para ver: as crianças, as mudanças e a juventude rebelada. Ver o anoitecer e as madrugadas, o raiar do dia e o sol a pino. Viver para dizer ao destino que ele pode se enganar. Viver, só para abusar, dos governantes e das autoridades; daqueles que defendem a propriedade e não vacilam na hora de matar.
Quero viver
para admirar a lua. Para dizer que a luta continua mais atrativa do que no passado. Viver, para dizer aos namorados, que não há tempo a perder; viver também só por viver, para deixar pelo menos um espaço ocupado, viver só para ser questionado, é também uma maneira de viver.
Quero viver
para escrever muitas poesias, para pôr letras em belas melodias, que venham a se tornar belas canções. Viver para sentir as emoções de encontros cheios de lembranças; para fazer com outras forças alianças, ligando as velhas às novas gerações.
Quero viver
para sonhar de olhos abertos; para ver os campos encobertos de plantações floridas e bem cuidadas. Para incluir-me na classe organizada, que se levanta para marchar bem cedo. Quero viver para driblar o medo, e discursar nas praças enfeitadas.
Quero viver
para aplaudir, a quem se dedica a fazer sorrir, pessoas que buscam diversão. Viver só para dar razão, a quem ousa enfrentar os poderosos; para vaiar os discursos melosos, e elogiar quem fala com emoção.
Quero viver
para fazer loucuras, só para ver o que vem depois da conjuntura, ou do que foi dito no jornal; o que sucede o processo eleitoral, depois que os candidatos chegaram onde queriam. Viver para ver se eles fariam, a metade do que sempre prometeram; conversar com aqueles que perderam, se mesmo assim ainda continuariam.
Quero viver
para ver as mulheres liderando, altivas, compondo os comandos, com uma flor vermelha no cabelo. Ver o combate e compreendê-lo, e assinar uma carta coletiva. Viver para poder deixar mais viva, a causa da libertação; para sentir o pulsar do coração, ao abraçar a companheira combativa.
Quero viver
para ver o que tem atrás da placa. Para derrotar uma proposta fraca e chegar primeiro d’outro lado do rio. Para dançar numa noite de frio, e aproveitar cada festa junina. Quero viver para banhar-me de neblina, nas serenatas sentindo calafrios.
Quero viver
para ver o florescer, do poder dos trabalhadores. Viver para pintar as cores do arco-íris no palácio da alvorada; pichar nos barrancos das estradas, um viva à revolução. Viver só para ver se o coração, suportará uma luta prolongada.
Quero viver
para dormir na rede, daquelas em que os ganchos nas paredes, propõem um encontro de casal. Para sonhar como um imortal, que com o tempo não tem pressa; para cumprir com esforço uma promessa, ou pagar uma aposta com prazer. Viver o anoitecer e o amanhecer, sentado numa roda de conversa.
Quero viver
para sentir saudade; para bendizer a liberdade, que de ninguém pode ser subtraída. Quero viver para fazer comida, e convidar os vizinhos e os parentes. Para beber um licor de aguardente, e adoçar o beijo para a despedida.
Quero viver
nas folhas do jasmim, no caule do jacarandá, na flor do angelim. No canto do canário que anuncia a florada, na chuva que desmancha as folhas já tombadas. Quero viver na terra fecundada, na casca das raízes profundas penetradas. Quero viver, no prazer das aves em revoada, no vinho sobre a mesa, na cama preparada.
(A. Bogo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário