A baixaria eleitoral na internet é antiga, mas nunca um candidato à Presidência reagiu a ela com tanta indignação quanto José Serra. Na segunda-feira 13, o tucano voltou a atacar o que chama de “blogs sujos” ligados à rival petista Dilma Rousseff. De acordo com ele, essas páginas na web teriam veiculado informações obtidas com a quebra do sigilo fiscal de figuras ligadas ao PSDB, entre elas o vice-presidente do partido, Eduardo Jorge. Em sabatina na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o presidenciável bradou: “Se essas pessoas fazem isso hoje, numa campanha, imaginem o que fariam com o poder nas mãos?”
É certo que uma parte truculenta da militância petista extrapola os limites do bom senso e do convívio democrático, mas nem chega perto dos brucutus pró-Serra que infestam a internet. É, ao menos, o que se pode concluir ao se analisarem dados coletados pelo Observatório das Eleições 2010, ligado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para a Web (o InWeb). Segundo o levantamento, nenhum outro candidato foi vítima de uma rede tão feroz de boataria e ataques rasteiros como Dilma Rousseff. Especialmente no Twitter, rede social na qual os usuários podem se esconder atrás de perfis falsos.
A constatação é da professora Regina Helena Alves, do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), responsável pela análise política do uso da web na campanha presidencial pelo Observatório. “A cada cinco comentários publicados no Twitter por apoiadores de Dilma, três são elogiosos à candidata petista e dois são contra o Serra. Já entre os apoiadores do candidato do PSDB, de quatro a cinco comentários são para atacar a concorrente”, afirma a pesquisadora. “Só que os apoiadores de Serra são mais agressivos, acusam Dilma de ser terrorista, ter vínculos umbilicais com a guerrilha colombiana, ser corrupta e por aí vai. Ao passo que do outro lado, embora também existam golpes baixos, a maioria dos comentários se concentra em respostas aos ataques da militância tucana.”
No ranking de vídeos mais difundidos pelo Twitter, por exemplo, há uma edição maliciosa de falas da candidata petista, mescladas com outras do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Trechos de entrevistas nas quais eles comentam seu engajamento na luta contra a ditadura. Tudo milimetricamente sobreposto para referendar as acusações de que Dilma é “criminosa”, “terrorista” e tem as “mãos sujas de sangue”. Outro vídeo mostra uma senhora distribuindo milho aos pombos, enquanto conversa com os pássaros em grego. Na legenda em português (sem qualquer relação com a fala da mulher), a provocação: “Venham pegar o Bolsa Família”. Depois, a senhora saca uma metralhadora e começa a disparar contra os pombos. “Vamos acabar com vocês. Tenho nojo de povo burro.”
Os tucanos também são alvo no Twitter. Um dos vídeos mais replicados na rede social, intitulado “Serra Comedor”, faz uma edição maliciosa e dá conotação sexual a uma fala de Serra no programa eleitoral: “Como a Vânia, que é sua mulher, como o Damião…” Em entrevista à revista Rolling Stone Brasil, o candidato não se mostrou preocupado com a brincadeira. “Aquilo foi de alguém favorável”, comentou Serra. “Você está sujeito a isso. Você está no Twitter, vão brincar. Eu fiquei surpreso quando me falaram dessa história por telefone.”
De acordo com a professora da UFMG, o Twitter é um espaço para ironias e brincadeiras, mas também é um dos principais mecanismos para propalar boatos e ofensas. “Há uma diferença entre fazer uma brincadeira e acusar alguém sem provas. Também monitoramos sites noticiosos e blogs, mas, salvo algumas exceções, esses são espaços mais propícios para o debate, e não para esse tipo de truculência, hoje impregnado nas redes sociais”, afirma Alves. “E o principal alvo desses ataques é a candidata petista. O ranking do Twitter varia muito dia após dia, mas, em média, dos dez vídeos mais replicados, oito ou nove são desfavoráveis a Dilma. E ao menos metade deles apresenta acusações gravíssimas. Isso não é crítica, é difamação.”
O Observatório das Eleições 2010 é um dos projetos de pesquisa do Observatório da Web, criado pela InWeb. Tem por objetivo avaliar, em tempo real, o que está sendo divulgado pelos blogs, sites noticiosos e redes sociais, com o suporte de softwares e ferramentas de captura da informação e análise. A equipe de pesquisadores reúne representantes de várias universidades públicas e é coordenada pelo Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais.
“Apenas no Twitter, monitoramos de 350 mil a 400 mil comentários enviados por usuários, com um mecanismo automatizado, capaz de filtrar os dados e nos fornecer estatísticas, como o número de vezes que um candidato é citado, a ocorrência de determinados temas, o que foi mais propagado”, explica o cientista da computação Wagner Meira Júnior, coordenador técnico do projeto e professor da UFMG. De acordo com ele, cerca de metade das menções no Twitter é de citações a Dilma. O concorrente tucano concentra cerca de 100 mil menções por semana. O restante é dividido entre os demais candidatos.
Novamente, segundo as estatísticas do Observatório, Dilma está em desvantagem. Cerca de 70% das menções à candidata petista são desfavoráveis. Serra possui 55% de comentários negativos. Ao passo que Marina Silva e Plínio de Arruda Sampaio, apesar de serem menos citados, têm um saldo positivo. Mais da metade das menções à candidata do PV é favorável e cerca de 70% das citações a Plínio são positivas.
Curiosamente, critica a professora, os candidatos em geral souberam aproveitar pouco o potencial da internet. “Da arrecadação da campanha ao debate de propostas, tudo é muito incipiente, pouco profissional. Em nada parecido com o que houve nos Estados Unidos nas últimas eleições presidenciais”, avalia. Outra percepção identificada pela equipe do Observatório é que as redes sociais garantem um espaço para a discussão de temas polêmicos, que foram deixados de lado na cobertura da imprensa e no horário eleitoral, como a legalização do aborto e a aprovação de leis que garantam direitos aos homossexuais.
Mesmo assim, o debate está longe de ter alto nível. “Muitos pastores de igrejas evangélicas entraram nessa discussão reforçando preconceitos. Por exemplo, na campanha ferrenha contra os candidatos que defendem a criminalização da homofobia.” Regina Alves cita um vídeo preparado pelo pastor Paschoal Piragine Júnior, presidente da primeira Igreja Batista de Curitiba, contra o aborto e os direitos de homossexuais.
Para expor suas razões, o líder religioso associa os temas ao crescimento da indústria pornográfica, aos “casos de pedofilia que acontecem todos os dias” e ao infanticídio em terras indígenas, “sacrificadas em nome da cultura e da omissão estatal”. Por fim, recomenda aos fiéis que não votem no PT, que, segundo Piragine Júnior, “defende tudo isso”. “Se um deputado ou senador do PT, de acordo com a sua consciência, votar contra qualquer uma dessas leis, ele é expulso do partido”, afirma o pastor.
“É de se lamentar que o debate eleitoral tenha se convertido nesse círculo de ataques tão rasteiros, independentemente de quem seja o autor da ofensiva e o alvo”, comenta a professora. “Essa campanha difamatória que surge em redes sociais se alastra por outros sites e em correntes de e-mail. Então, um vídeo desses pode ter centenas de milhares de visualizações. Por enquanto, esse tipo de estratégia parece não surtir efeito, porque o principal alvo continua bem nas pesquisas. Mas é difícil aferir os danos que isso pode provocar à imagem dos candidatos atacados.”
Rodrigo Martins é repórter da revista CartaCapital há quatro anos. Trabalhou como editor assistente do portal UOL e já escreveu para as revistas Foco Economia e Negócios, Sustenta!,Ensino Superior e Revista da Cultura, entre outras publicações. Em 2008 foi um dos vencedores do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos