“Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.” Proclamadas pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1988, estas palavras colocaram fim à escravidão que, durante 350 anos, vitimou aproximadamente 11 milhões de africanos, além de seus descendentes nascidos no Brasil.
Passados 122 anos, todos os indicadores sociais apontam que a Abolição não foi capaz de garantir condições de vida dignas à população negra. Substituídos pela força de trabalho européia, não puderam nem mesmo compor a classe trabalhadora assalariada da época, restando como opção a informalidade.
O Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas (IPEA) calcula que, caso sejam mantidas as políticas de ações afirmativas vigentes, os negros só atingirão a renda média dos brancos no ano de 2040. Hoje, a diferença salarial é de 53%. Na educação, a diferença é maior ainda. Apenas 5% da população negra têm formação superior. Entre os brancos, 18% já passaram pela universidade.
Essas diferenças sociais marcadas pela cor da pele são resultado de uma política que buscava o embranquecimento da população, logo que foi abolida a escravidão. Essa é uma das conclusões da professora Márcia das Neves, cuja dissertação de mestrado investigou a influência dos estudos do médico e antropólogo Raimundo Nina Rodrigues na formação cultural da sociedade brasileira.
“Na questão da eugenia, que busca o melhoramento da raça, o Nina Rodrigues tinha essa preocupação de saber quem seria a população que dominaria o Brasil. Os negros estavam aumentando em quantidade, estavam se misturando sem certo controle, o que fazia aumentar a quantidade de mestiços. Quanto mais misturado, mais problemas ele previa nesse indivíduo final.”
O pensamento eugenista defendia a ideia da existência de raças humanas e pregava a supremacia dos arianos sobre os demais grupos étnicos. A professora revela que essa ideia foi assimilada pela população, que passou a ignorar e até mesmo negar a violência das relações raciais no Brasil.
“É até difícil colocar esse debate, mesmo em sala de aula. Eu sou professora, dou aula na periferia e tenho dificuldades de falar desse tema. Apesar de a maioria dos alunos serem negros ou mestiços, eles não aceitam essa discussão e têm a visão de que quem coloca esse tema em discussão é racista. Acreditam que é melhor fazer de conta que ele não existe, que não tem racismo e todo mundo é igual.”
Márcia das Neves alerta para uma realidade que expõe a sutileza do racismo e se repete cotidianamente, sobretudo na sala de aula, ambiente no qual a maior parte dos professores não escondem a preferência pelas crianças brancas e o desprezo pelas demais.
“Isso está implícito nas pessoas. Quando você vê alguém elogiando um aluninho, dizendo que ele é bom, ele não tem características de negro. Um outro aluno do qual dizem ser um peste, ser terrível que ele não se desenvolve direito e é preguiçoso – mesmo que não seja –, você percebe que é um aluno que tem as características de negro.”
A resistência do quilombo dos Palmares, a intransigência de Canudos e as revoltas dos Malês e da Chibata são celebradas pelo movimento negro como símbolo da luta por liberdade e igualdade. No século 20, diversas organizações surgiram a partir de tensões sociais provocadas pelo racismo e pela repressão dirigida aos negros. É o caso do Movimento Negro Unificado (MNU), criado em 1978 como resposta à discriminação racial sofrida por quatro jovens atletas da equipe de voleibol do Clube de Regatas Tietê. Na época, eles eram proibidos de entrar na piscina do clube.
Milton Barbosa, fundador e integrante da coordenação nacional do MNU, revela que outro acontecimento, muito comum em nossos dias, também foi determinante para a organização da juventude negra.
“Um outro fato foi a prisão,tortura e morte de Robson vieira da Luz, trabalhador e pai de família, acusado de furto na feira. Ele foi preso e torturado no 44º Distrito Policial de Guaianazes. Foram basicamente esses dois motivos imediatos que fizeram com que a juventude negra da época criasse o Movimento Negro Unificado.”
Mais de 30 anos após a morte do feirante, a tragédia continua se repetindo. No mês em que se comemora a dia da Abolição da escravidão no Brasil, o movimento negro cobra das autoridades o fim daquilo que chamam de genocídio negro.
Os meios de comunicação estão mostrando freqüentemente exemplos dessa violência. Eduardo Luís Pinheiro dos Santos foi encontrado morto no último dia 10 de Abril, após ser torturado. Alexandre Santos foi espancado até a morte na porta de casa, diante da mãe. Ambos foram vítimas da Policia Militar do Estado de São Paulo. Ambos eram negros.
O professor de História e integrante da Uneafro Brasil (União de Núcleos de Educação Popular para Negras(os) e Classe Trabalhadora) Douglas Belchior, explica que a repressão policial foi germinada no período da escravidão.
“A primeira Polícia no Brasil eram os capangas que corriam atrás dos escravos fujões. A Polícia tem no seu nascimento uma função objetiva e clara de coagir a população negra. Não tem jeito, isso infelizmente se repete e se ampliou, com fim da escravidão, para todos os pobres.”
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) prevê para um período de sete anos o assassinato de mais de 33 mil adolescentes no Brasil. Em algumas cidades do país, a probabilidade de um jovem negro ser morto é 40 vezes maior que um branco. Diante dos números, Belchior não vê motivos para se festejar o Dia da Abolição.
“Os dados da realidade, já há alguns anos, não permitem que o movimento negro celebre o dia 13 de maio como um dia lembranças festivas. O mais escandaloso motivo para não festejar é justamente a implementação de uma verdadeira política de extermínio da juventude negra, em vigor nas grandes cidades brasileiras.”
De São Paulo,
da Radioagência NP,
Jorge Américo
Infelizmente, em países de abolição tardia, os ranços racistas perduram e chegam até a serem internalizados pelos próprios indivíduos que mais sofrem deles! É um processo longo em que tem que perseverar para superar.
ResponderExcluirEstamos na luta.