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terça-feira, 11 de maio de 2010

“Cabe ao PT politizar subproletariado”

André Singer, cientista político e ex-porta-voz do governo, analisa o lulismo e a sua base social, o subproletariado O artigo “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”, do professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), André Singer, é um dos primeiros trabalhos acadêmicos a avaliar a composição sóciopolítica desse fenômeno capitaneado pelo presidente mais popular desde a redemocratização do país. Ex-porta-voz e secretário de imprensa do Palácio do Planalto (2003-2007), Singer considera que o lulismo é composto por elementos de esquerda e de direita. Sua principal base eleitoral, o subproletariado – trabalhadores de baixíssima renda –, deseja uma melhoria nas condições de vida, mas preza pela manutenção da ordem e delega a tarefa de executor das mudanças a uma autoridade política. Com a crise política de 2005, Lula ganhou mais força entre esse segmento, fundamentalmente beneficiado por políticas sociais, enquanto perdia o apoio dos setores médios que acompanhavam pela mídia as denúncias de corrupção. Em entrevista ao Brasil de Fato, Singer debateu as características do lulismo e aconselhou o PT a estreitar as relações com o subproletariado para incorporá-lo à esquerda. Brasil de FatoPara a Ciência Política, essa combinação de elementos de esquerda e de direita que compõem o lulismo é uma novidade? André Singer – Acredito que seja uma novidade na história brasileira. Tenho a impressão de que é o primeiro momento em que essa fração de classe, que eu tenho denominado “subproletariado”, tem se estruturado como um ator político em torno de um projeto nacional. Nesse sentido, seria uma novidade no Brasil. Essa combinação de elementos de esquerda e de direita tem a ver com essa diferença ideológica importante entre o proletariado e o subproletariado. Ao olharmos para a trajetória brasileira das últimas décadas, podemos perceber que o proletariado brasileiro deu sustentação ao PT,que foi uma proposta originalmente muito radical. O PT tem uma característica singular na história brasileira: ter se proposto a ser um partido explicitamente radical, numa cultura política marcada pela conciliação. A proposta [de criação] do PT se estruturou no ambiente de um grande movimento social de trabalhadores – a onda de greves que começa em 1978. Depois, do ponto de vista eleitoral, o PT encontra eco na camada mais organizada do proletariado, mas, ao mesmo tempo, é sistematicamente rejeitado pelo subproletariado. Em pesquisas voltadas para o comportamento político, percebem-se resultados muito semelhantes. Há certa hostilidade às greves e aos sindicatos nesse setor de baixíssima renda, com renda familiar de até dois salários mínimos. O subproletariado tem uma visão conservadora, mas não no sentido de rejeitar mudanças. Ele deseja mudanças importantes. Mas ele quer que essas sejam feitas sem prejuízo da ordem. Ou seja, essa valorização do conflito político que o PT fez é rejeitada pelo subproletariado, que espera mudanças feitas de cima para baixo, por meio de uma autoridade de Estado reforçada e sem ameaça à ordem. É essa configuração que leva a pensar na mistura de elementos de esquerda e de direita. Se esse fenômeno é algo novo na política brasileira, então a comparação entre o lulismo e o getulismo (fenômeno ligado ao ex-presidente Getúlio Vargas) é equivocada? Acredito que essa visão é, pelo menos, precipitada. Hoje em dia, há uma tendência de revisitar o getulismo e reavaliar o que ele significou. A primeira questão com relação a essa comparação é que hoje nós não sabemos muito bem o que foi exatamente o getulismo. Ele precisa ser reavaliado. Em segundo lugar, não está claro qual é a ordem de mudanças que o lulismo pode vir a trazer. Não sabemos ainda se essa comparação é elucidativa. O Getúlio fez uma política social importante, mas foi voltada, sobretudo, aos trabalhadores urbanos. Uma característica do lulismo é que ele se dirige ao segmento de trabalhadores que ficou fora da perspectiva getulista. O subproletariado é o setor que ficou fora da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Assim, pode-se dizer que essa comparação talvez possa trazer mais confusão do que luz. Pois, nessa visão, misturam-se fenômenos com aspectos sociais diferentes. O senhor partilha da tese apresentada pelo ex-ministro Tarso Genro, que coloca a candidatura de Dilma Rousseff como consequência do vazio partidário que acometeu o PT após a “crise do mensalão”? Eu tendo a concordar com ele. Evidentemente, ele tem muito mais condições do que eu de fazer uma análise do PT. Estou tentando, agora, escrever uma continuação desse artigo do lulismo, mas voltado para o PT. Ainda não o concluí. Mas tendo a achar que essa análise faz sentido. Ao mesmo tempo em que o lulismo incorpora elementos de direita, a base tradicionalmente conservadora à qual ele se dirige, o subproletariado, pode incorporar elementos de esquerda? Creio que pode estar havendo uma lenta convergência entre o lulismo e o petismo. Essa convergência, se estiver ocorrendo, é obrigatoriamente lenta. Uma coisa é você identificar uma determinada liderança política – no caso, o presidente da República, que tem muita visibilidade – com um determinado projeto, que é o que conforma o lulismo. É muito mais difícil transformar isso numa identificação partidária. Uma vez criada essa identificação, ela demora a ser desfeita. É um processo lento de constituição e desconstituição. Mas tendo a achar que, lentamente, setores do subproletariado podem estar começando a identificar o PT como o partido do presidente. A partir disso, se inclinam a votar nos candidatos petistas. Mas não me refiro a candidato à presidência da República, pois aí há uma relação direta com o presidente. Refiro-me aos candidatos proporcionais do PT. Se essa lenta aproximação estiver em curso, é possível que, se o PT permanecer como um partido de esquerda, ele leve uma certa politização à esquerda para esses setores. O PT, hoje, tem uma escola nacional de formação política, que foi constituída depois do 3º Congresso [2007]. Essa escola está levando informações políticas a centenas de milhares de novos membros do partido, que podem, em parte, estar vindo desses setores sociais. Se, como eu acredito, essa informação que está sendo levada for fundamentalmente de esquerda, é possível que esteja ocorrendo um lento processo de politização de esquerda desses setores. Em seu artigo, há uma frase em que Lula lamenta não ter tido o apoio das camadas de baixíssima renda. O fato de o PT ter conquistado a simpatia desse segmento apenas depois de ter acesso aos órgãos do Estado pode representar uma falha de organização do partido e dos movimentos sociais que o construíram? Acho que não. A posição de classe que o subproletariado ocupa na sociedade torna a organização dele muito difícil. Não diria que é impossível, pois há o fenômeno do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], um movimento social importantíssimo que busca organizar esse setor. O fato de o MST existir, ter crescido e possuir uma estrutura nacional importante, mostra as possibilidades. Mas mostra também os limites. Porque sabemos que o MST organiza uma fração muito pequena desse setor que, em 2006, poderia ser até metade do eleitorado brasileiro. Esse quadro mudou com as políticas sociais, a formalização do emprego e o aumento do salário mínimo, que produziram uma transformação. Então, é possível que já estejamos diante de um quadro modificado. Mas, sem dúvida, esse é um setor muito vasto da sociedade brasileira. Essa é uma característica importantíssima do Brasil. Então, não vejo falha nem no PT nem na esquerda por terem tido relativamente poucos avanços, ou avanços limitados. É quase impossível você organizar um desempregado. Toda a formulação de esquerda está sustentada na ideia de que, com o crescimento do proletariado, este seria uma força invencível. O proletariado fabril, por exemplo, teria uma vocação para a organização, pois a própria indústria e a produção o organizam. Agora, um desempregado, como ele pode ser organizado? O termo clássico “lumpemproletariado” tem sido considerado pejorativo e caiu em desuso. Na sua opinião, o subproletariado seria o equivalente atual do “lumpemproletariado”? Não. Há uma diferença importante. Esse termo [lumpemproletariado] tem uma carga negativa e está associado a setores marginalizados e que estão na ilegalidade ou transitam muito facilmente por ela. Esse não é o caso do subproletariado. A grande massa desse setor é composta por trabalhadores. Justamente por isso, não considero correto usar o termo “lumpen”, porque ele confunde. Esse termo foi criado por uma visão europeia, para outro tipo de sociedade, e referia- se a um setor que não encontrava espaço no trabalho formalizado. Esse grupo era muito reduzido. Não é o caso do Brasil, onde temos uma massa de trabalhadores que está nessa condição. Sobre o contexto da esquerda pós-Lula, é possível afirmar que o PT, sendo um partido de esquerda, deve “disputar” o lulismo, para afastar os elementos de direita que o compõem? Na minha opinião, caberia ao PT aproveitar a oportunidade para organizar e politizar esses setores. Isso passa por um item: continuar sendo um partido de esquerda. De fato, o PT se constituiu em torno da ideia de que a luta de classes deveria ter uma centralidade na luta política. Isso, de certa maneira, orientou o seu radicalismo, que foi uma opção política que ajudou muito o Brasil. O problema hoje do PT é tentar manter-se como partido de esquerda. Hoje o partido convive com uma aproximação de um vasto setor social, que de modo algum pode ser desconsiderado, cujos interesses o proletariado deve ter a iniciativa de agregar. O interesse do subproletariado não é algo alheio ao projeto do PT. Ele quer mais igualdade, que é o projeto do petismo. O problema é a maneira de chegar lá, mas o objetivo final é comum. Em se mantendo à esquerda, o partido deveria buscar incorporar esse setor. Em seu artigo, o ano de 2005 é tratado como chave para o realinhamento eleitoral do lulismo. Há a constatação de que, enquanto parte do eleitorado se atinha aos escândalos políticos midiáticos, outra sentia os benefícios das políticas sociais, como o Bolsa Família e os reajustes do salário mínimo. É possível afirmar que há uma cisão na opinião pública causada por diferentes formas de avaliar o governo? Eu não gosto muito do termo “opinião pública”, pois ele é usado sem levar-se em consideração a sua origem, que vem de uma formação antiga, de um espaço público de debates, que, de certo modo, foi eliminado pelo progresso do capitalismo. Eu prefiro dizer que a emergência do subproletariado fez com que o debate, que ocorria por meio da imprensa e atingia os setores médios, perdesse a importância relativa. E isso é um dado da nova situação. Há um aspecto interessante nesse fato, pois ele vai forçar todos os atores políticos a incorporarem as necessidades do subproletariado como uma prioridade. A meu ver, isso explica porque o candidato do PSDB, José Serra, já afirmou que não vai abandonar o Bolsa Família e que vai procurar formas de aumentar o programa. Com isso, o Bolsa Família está caminhando para se tornar um direito de todos os brasileiros que comprovarem que têm um rendimento abaixo de um certo mínimo. Isso é um direito importantíssimo, pois cria um piso, abaixo do qual a sociedade não aceita que nenhum brasileiro esteja. Esse novo fenômeno tem essa potencialidade e me parece que está significando passos importantes na história brasileira. Quando isso for visto daqui a 50 anos, pode ser lembrado como um momento de uma inflexão importante. O Brasil tomou medidas para dar uma condição a milhões de brasileiros que estavam, de alguma forma, no terreno da desesperança. Já que você citou o ex-governador Serra, gostaria que você comentasse uma declaração recente do ex-deputado Roberto Freire (PPS), que afirmou que a candidatura que representa o conservadorismo é a do PT, não a do PSDB, já que Dilma tem maior apoio nos grotões e no “Brasil mais atrasado”, onde há um conservadorismo histórico. Não vi essa declaração do deputado Freire. É verdade que existe um aspecto conservador [na base eleitoral da candidatura do PT], pois há um apreço pela ordem e a valorização de uma mudança por cima. Mas, na candidatura do Serra, historicamente, não há nenhuma valorização do conflito político; e não parece que isso vá acontecer agora. Quem tem isso no seu passivo histórico é justamente o PT. Sabemos que o partido está em transformação, mas quem trouxe essa marca foi ele, não as forças que estão hoje alinhadas ao PSDB.
Renato Godoy de Toledo da Redação

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