Aos 60 anos, Chico Buarque fala sobre ser escritor e músico, considera oca a fama de sexy e rejeita o título de ícone
Ima Sanches La Vanguardia
"Tenho 60 anos. Nasci e vivo no Rio. Estou separado e tenho três filhas, duas netas e meia, e um neto: Chico. Sou um democrata que ainda acredita na possibilidade de um socialismo democrático. Já tivemos quase duas décadas de idiotice globalizada. Sou ateu. Publico Budapeste na Salamandra em castelhano e na La Magrana em catalão."
Uma vida rodeado de mulheres. Sim, irmãs, filhas, netas.
O que aprendeu com elas?
Continuo com a curiosidade intacta, com o mesmo desconhecimento e esta estranha admiração. Sempre me surpreendem e suas opiniões me interessam mais que a dos homens.
Você encabeça a lista dos homens mais sexys do Brasil.
Isso é ridículo, e essa lista é ridícula. Tenho 60 anos, percebe?
Sempre fugiu da fama?
Não, participei de festivais e busquei o reconhecimento para meu trabalho. Mas logo aparece a fama boba, oca, que é a sombra do reconhecimento e que fala se o artista está gordo ou com quem vai para a cama. Há 40 anos não era assim.
Como era?
Ficávamos bêbados em Ipanema dizendo coisas absurdas, mas não saía na imprensa. Hoje, alguém vai ver uma partida de futebol e vem o jornalista lhe perguntar como está a partida. Isso não me agrada.
Mas é o que vende
Tem gente que persegue essa fama que não corresponde a nada. É insólito.
Por que teremos chegado a esse ponto?
Nunca vi um movimento geral de idiotice como o de agora. Mas em meu país, de 15 anos para cá, vem crescendo perigosamente. A idiotice nos rodeia, eu mesmo tenho medo de me tornar idiota...
Pense bem...
Talvez tenha razão. Tudo seria mais fácil, nada me surpreenderia e poderia dar entrevistas sem escrever livros.
?...
Sim, sim, anuncio que vou escrever um novo livro e passo dois anos dando entrevistas. Depois falo do livro que não saiu. E assim passa a vida. Hoje é possível viver de feira literária. Há festivais a cada semana em alguma parte do mundo. E agora que finalmente sou escritor...
Custou-lhe três livros.
Sim. Agora já me consideram como tal e posso viver me fazendo de turista literário; certamente conseguiria ser muito mais conhecido como escritor do que sou hoje sem necessidade de escrever mais livros.
Falemos de épocas mais intensas.
Não sou nostálgico, não penso que éramos mais bonitos, mais magros e mais felizes, embora tudo isso seja verdade. Não me agrada recordar nem os anos 60 nem os 70, dos 80 não me lembro, e nos 90 começou a idiotice. Nunca estive de acordo com o que me cercava. Me agrada estar vivo, fazer as coisas em meu ritmo, sem pressões.
Então deve ter vivido infeliz na ditadura.
Em fins de 68 começou a verdadeira censura e a perseguição aos opositores do regime, políticos, simples artistas ou fumadores de maconha. Isso tudo era preciso combater e nós, os artistas mais populares, o fizemos com a música, com prejuízo para a qualidade artística.
Você vivia sendo preso.
Como todos, mas saía sempre. Só dormi na prisão quando era menor de idade e roubava carros.
Um filho de ilustre historiador e sociólogo roubando carros?
Sim, roubávamos carros para circular pela cidade e quando acabava a gasolina os largávamos. No dia seguinte fazíamos o mesmo, assim até que me pegaram. Mas durante a ditadura me chamavam ou vinham me buscar e me levavam para perguntar por que havia cantado isso ou aquilo.
Chegou a ter medo?
Quem tem c... tem medo. Recebia ameaças, cartas. Hoje tem gente no Brasil que tem medo de outras coisas e vive cercada de guarda-costas, sobretudo os famosos, porque ter guarda-costas o torna ainda mais famoso.
Você é um ícone da música; poderia ter dois ou três.
Não me agradaria ser ícone, soa fatal. Chegaram a me chamar de monstro sagrado, que medo!
Para quem escreve as letras de suas canções?
São "cantadas" para mim mesmo: é formidável, experimente, diga-se coisas bonitas. Me lembro de Vinicius de Moraes, que quando viajava sozinho e tinha sonhos se cantava canções de ninar e passava a mão no rosto até adormecer. Eu tentei e não funcionou.
Você é um insone?
Sim, por isso sempre trabalho de noite, o que é fatal para o insone. Quando consigo dormir, escrevo música em sonhos. Compus coisas maravilhosas, mas logo percebi que eram de outros.
Por que está há seis anos sem se apresentar?
Lancei o disco, fiz um ano de concertos, depois lançaram o disco do concerto do disco, e depois o disco do disco do concerto do disco... Em seguida colaborei em teatro, escrevi o livro e agora estou aqui com você.
Como é a sua mãe?
Tem 95 anos e repete constantemente, "Juízo e alegria!", e eu lhe digo: "Mamãe, ou juízo ou alegria." Meu pai era um sonhador e ela equilibrou seu lado boêmio, impunha a disciplina mas com muito sentido de humor, com isso: com juízo e alegria. Sete filhos!
O que significou para você trazer filhos ao mundo?
É formidável. Quando nasceu a primeira eu tinha 24 anos, era quase uma irresponsabilidade. Mas as três são melhores que seu pai e creio que se cada um de nós pudesse dizer isso, se Bush o dissesse, por exemplo, em 30 anos teríamos um mundo melhor.
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