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terça-feira, 5 de outubro de 2010

O ALMIRANTE NEGRO – desenterrando a História

Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamação da República, foram restabelecidos no ano seguinte (1890), estando previstas:
"Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."
Os marinheiros nacionais, quase todos negros ou mulatos comandados por um oficialato branco, em contato cotidiano com as marinhas de países mais desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais adotavam esse tipo de punição em suas belonaves, considerada como degradante. O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da escravidão, abolida no país desde 1888. Paralelamente, a reforma e a renovação dos equipamentos e técnicas da Marinha do Brasil eram incompatíveis com um código disciplinar que remontava aos séculos XVIII e XIX. Essa diferença foi particularmente vivida com a estada dos marujos na Inglaterra, em 1909, de onde voltaram influenciados não só pelas lutas dos colegas britânicos mas também pela revolta dos marinheiros da Armada Imperial Russa, no Encouraçado Potemkin, ocorrida poucos anos antes, em 1905.
O ALMIRANTE NEGRO
JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO (1880-1969), marinheiro de 1ª classe é o "almirante negro". líder da Revolta da Chibata, levante militar que durante décadas teve versão oficial da Marinha negando a importância histórica da revolta e a descrevendo como um episódio rotineiro, que acabou com os castigos corporais nos navios de guerra.
A liberação é um fato novo. Durante muitas décadas, os pesquisadores e os filhos de João Cândido esbarraram em negativas da Marinha, que jamais aceitou a elevação dos revoltosos à condição de heróis. O próprio João Cândido nunca conseguiu ter acesso à documentação. Em depoimento no MIS do Rio em 1968, ele reclamou: "... os [arquivos] da Marinha são negativos, João Cândido nunca existiu na Marinha".
O documento mais importante é a ficha funcional. João Cândido entrou para a Marinha como grumete em 10 de dezembro de 1895, chegou a ser promovido a cabo, mas depois foi rebaixado. Nos 15 anos em que permaneceu na Armada, ele foi castigado em nove ocasiões com prisões que variaram de dois a quatro dias em celas solitárias "a pão e água" e duas vezes com o rebaixamento de cabo para marinheiro.
Não há registro, na sua ficha de 24 páginas escritas à mão, de que tenha sido espancado, como era comum. Extinto em 1889 logo após a Proclamação da República, o castigo físico foi restabelecido pelo Governo Provisório no ano seguinte. A rebelião dos marinheiros em 22 de dezembro de 1910 já vinha sendo alimentada ao longo destes 20 anos, mas só foi deflagrada depois que o marinheiro Marcelino Rodrigues foi punido com 250 chibatadas.
A ficha de João Cândido registra dez elogios e uma promoção a cabo (1903), revogada definitivamente em 1907. O último elogio por bom comportamento é de setembro, três meses antes de liderar a rebelião. João Cândido participou de dezenas de manobras em toda a costa brasileira, navegou pelos rios das bacias do Amazonas e do Prata e esteve duas vezes em longas viagens pela Europa.
Historiadores
O mérito da revelação dos documentos e da ficha funcional de João Cândido se deve a uma equipe de cinco historiadores da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) encabeçada por Marco Morel. Contratado pelo Projeto Memória da Fundação do Banco do Brasil para fazer uma pesquisa sobre o líder da revolta, Morel conseguiu autorização de um dos dois filhos vivos de João Cândido, Adalberto, para ter acesso aos documentos.
O pedido foi baseado na lei 11.111 de 2005, que normatiza a liberação de documentos oficiais. O trabalho de pesquisa para o Projeto Memória, além do professor Morel, é realizado por uma equipe composta por Tânia Bessone, também professora da Uerj, e três doutorandos. Uma delas, Silvia Capanema, descobriu na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, outra preciosidade: uma série de 12 artigos de memórias assinados por João Cândido publicados em 1912 na "Gazeta de Notícias".
Há algumas coincidências nesta história. João Cândido viveu as décadas que se seguiram à expulsão da Marinha em desgraça. Nem as empresas comerciais de navegação lhe davam emprego. Foi redescoberto pelo jornalista Edmar Morel (1912-1989), autor do livro que passou a identificar a rebelião: "A Revolta da Chibata" (1959). Edmar foi encontrá-lo como carregador no antigo mercado de peixes da praça 15, no centro do Rio. De lá via bem próxima a Ilha das Cobras, onde esteve preso, foi torturado e quase morreu. A ilha abriga hoje, entre outras seções da Marinha, o Serviço de Documentação. O historiador Marco Morel é neto de Edmar Morel. Também jornalista no início da vida profissional, dedicou-se ao ensino e à pesquisa histórica. Sua especialização é o Brasil do século 19, mas, por causa do avô, interessou-se por João Cândido. Ele doou o acervo de Edmar Morel à Biblioteca Nacional.

O Marujo Marcelino, estava sendo castigado.
Nas Chibatadas o desatino, não era mais suportado.
Corda de linho e agulha de aço, faziam o sangue jorrar.
A indignação ocupou o espaço, e fez a revolta deflagrar.

1910 Rio de Janeiro, no Brasil, na Capital.
Um momento derradeiro, da discriminação racial.
Era Negra a Marujada, a ferro e fogo submetida.
Por tudo era castigada, era uma vida sofrida.

Novembro 22 o dia, dois mil, marinheiros.
Com audácia e galhardia, eram quilombolas guerreiros.
De Palmares ressurgidos, para o momento do insurgir.
Organizados e decididos, com João Cândido novo Zumbi.

O mundo ficou admirado, com a técnica pra navegação.
Cada navio foi manobrado, com perícia e perfeição.
Na Baia de Guanabara, De todos oficiais se livraram.
Com movimentação rara, para fora da barra navegaram.

Exigiram fim dos castigos, e da alimentação melhorar.
Como humanos fossem tidos, oficial não poderia espancar.
Resolutos e participantes, com todo arrojo e sem medo.
João Cândido Comandante, nosso Almirante Negro.

O Governo estava vencido, e aceitou todas exigências.
Acuado e espremido, comprometido a ter decência.
As Armas foram depostas, haviam conseguido vitória.
Mesa da traição posta, violentaram nossa História.

Um pretexto foi o suficiente, para o governo não cumprir.
Traiçoeiros, Covardes e indecentes, viciados em oprimir.
Expulsou os marinheiros, prendeu os lideres do movimento.
O reprimir mais verdadeiro foi maldito aquele momento.

Para a Amazônia embarcados, bem na noite de Natal.
Sete foram fuzilados, pois não renunciaram ao ideal.
Foi a liberdade no momento, foi um degrau da revolução.
Nos deixaram ensinamento, que hoje é lembrado em canção.
Azuir Filho

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